Há 40 anos – As primeiras Conferências dos Camponeses do Norte e do Sul

Unidade dos camponeses<br>para uma vida melhor

Manuel Rodrigues

A 29 de Dezembro de 1974 e a 5 de Janeiro de 1975 realizavam-se, respectivamente, no Porto e em Santarém, a I Conferência dos Camponeses do Norte e a I Conferência dos Camponeses do Sul, convocadas e dirigidas pelo PCP mas tendo como perspectiva uma ampla participação unitária.

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As conferências foram antecedidas de um grande trabalho de mobilização procurando envolver todos os que quisessem colaborar na discussão e procura de soluções de carácter mais urgente e imediato para os problemas da agricultura, na linha de continuidade do trabalho e papel do PCP e da sua imprensa partidária – o Avante!, o Camponês, a Terra – nas duras condições da clandestinidade, junto dos camponeses, no combate à ditadura fascista, que deixou as suas marcas de classe também junto destas camadas e do mundo rural: pobreza, miséria, isolamento, abandono, analfabetismo e um enorme fluxo migratório.

Ao convocar estas Conferências, o PCP provava, assim, o seu interesse em resolver os problemas do povo trabalhador de acordo com os interesses e as soluções apresentados por estes e levava à discussão das massas camponesas a Plataforma de Emergência aprovada no seu VII Congresso. É este, aliás, o sentido das palavras do discurso de abertura proferido pelo Secretário-geral do PCP, camarada Álvaro Cunhal (cuja participação nas duas conferências sublinha a importância que o PCP lhes atribuiu), na I Conferência dos Camponeses do Norte: «O Partido Comunista não pretende ensinar os camponeses. Pretende, por um lado, transmitir-lhes a sua experiência e, por outro lado, aprender com eles e, se tomou a iniciativa deste encontro, não é porque tenhamos na mão soluções para vos apresentarmos mas porque queremos saber das vossas bocas quais são os problemas dos campos e quais são no vosso entender as soluções para esses problemas». E acrescentava: «Dizei vós o que é necessário fazer para defender os vossos interesses, o que é necessário fazer para resolver os vossos problemas».

Começando por evocar duas grandes lutas apoiadas e dirigidas pelo PCP durante o fascismo, pelo não pagamento e extinção da taxa do vinho e pela recuperação dos baldios usurpados pelos Serviços Florestais, o debate na I Conferência dos Camponeses do Norte centrou-se nas questões da vida nos campos e na exigência de soluções urgentes, nomeadamente para problemas como: a terra escassa e muito parcelada, dificuldade ou impossibilidade de uso de máquinas agrícolas, penúria de gado, falta de dinheiro e de créditos, dificuldade de colocação dos produtos no mercado, venda na pior altura e pelos piores preços, intensidade do trabalho nos campos, trabalho das mulheres e das crianças, privações familiares, exploração por parte de grandes proprietários e capitalistas, armazenistas, comerciantes, usurários e governo que conduziu milhares de pequenos produtores à asfixia e à ruína.

Apesar das conclusões não reflectirem, exclusiva e necessariamente, as opiniões do Partido, como sublinha a Comissão do PCP para o Trabalho Camponês no Norte, o PCP perfilhou-as no seu conjunto e «considerou-as um notável avanço, como propostas de soluções para os problemas mais agudos e urgentes dando às populações trabalhadoras dos campos a confirmação de que a democratização do País passa pela defesa dos seus interesses».

A terra portuguesa é boa

Elucidativas dos bons resultados destas conferências foram as declarações de um camponês do concelho de Torres Vedras, no final dos trabalhos da I Conferência dos Camponeses do Sul: «Chegámos à conclusão de que há condições para produzir quase tudo na terra. A terra portuguesa é boa, é preciso estudar a aptidão dos solos, mecanizar, dar incentivo para que a gente não desista de produzir por falta de compensação. Foi um trabalho de todos e para todos. Do meu concelho vieram 183 camponeses e parece que está por aí tudo com nova alma. A certa altura, apareceu um grande a botar palavra e provocar confusão. Quisemo-lo pôr fora. Um de nós até disse que bastava olhar para a nossa cara e as nossas mãos e comparar com a cara e as mãos dele para ver quem trabalha a terra e sofre e é explorado. Começámos todos a dizer: fora! Não tem nada que fazer aqui! Mas, o dr. Álvaro Cunhal falou e disse que até era bom que os grandes vissem como a gente está disposto a lutar pelos nossos interesses. Ao que ele engoliu a língua e enfiou-se na cadeira.»1

Com a realização destas Conferências foi dado um grande passo para o reforço da organização unitária destas camadas que, em articulação com o novo poder revolucionário, viriam a conquistar uma nova Lei do Arrendamento Rural, as Leis dos Baldios, Crédito Agrícola de Emergência, apoio ao movimento cooperativo, abolição dos foros e da parceria e, entre muitos outros, a criação de uma vasta rede de serviços públicos que passaram a assegurar as funções sociais do Estado, mesmo nos sítios mais recônditos e, de um modo geral, a melhoria das condições de vida das populações rurais.

Na intervenção de encerramento da I Conferência de Camponeses do Sul, Álvaro Cunhal sublinhava a importância que o PCP atribuía à organização dos agricultores, apelando à formação de fortes Ligas e Associações de camponeses, capazes de lutar pelos «interesses fundamentais das massas camponesas».

Marcava-se desta forma o grande valor e o carácter unitário que o PCP sempre atribuiu a esta frente de trabalho, e que, no essencial, se mantém até aos dia de hoje. Valorização que se traduz no empenhamento com que procura acompanhar e contribuir para o reforço das estruturas unitárias de defesa dos interesses e direitos dos pequenos e médios agricultores, hoje como ontem, confrontados com políticas agrícolas de asfixia e de ruína.

1 In Avante! De 9 de Janeiro de 1975




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